sábado, 3 de maio de 2008

BANALIZAÇÃO

Suponho que o convívio diário com certas situações acaba por nos tira a sensibilidade. Aos poucos, a dor alheia soa como um ranger de porta, o horror vira rotina, a morte do próximo é vista como uma página virada. É a banalização da tragédia. Para suportá-la, procuramos revesti-la de comédia.
A TV nos submete ininterruptamente a uma aluvião de acidentes, assassinatos, guerra, crianças famintas e estrasanhadas agarradas aos ossos de seus filhos de corpo frio e cabeça dilatada. Nada disso tira o nosso sono nem provoca a nossa indignação. Aos poucos, vamos admitido que essa é a normalidade talvez um erro humanamente justificável, como as bombas atiradas sobre crianças e idosos na lugoslávia. Apenas um nó de tristeza por ver o mundo tão injusto e cruel.
A TV dometica-nos para bem conviver com a tragédia, carnavalizando situações aberrantes e exibindo no palco deformações de corpo e espírito como se fossem meras atrações de interesse público. Torna-se rotina ver a face que desabona os políticos: as diatribes do ministro, a corrupção do deputado, as fanfarronices do senador, a mentira do prefeito, a demagogia do governado, o cinismo do presitende.
Assim, aos nossos olhos, molda-se a impressão de que a política é suja, todos os políticos são malandros, o processo eleitoral e uma farsa. Desiludidos, recolhemo-nos á vida privada, indiferentes á esfera política, onde é decidi da pior ou melhora vida de milhões de pessoas, do preço de ônibus ao acesso ao emprego. Tudo se banaliza, a ponto de ocorrer uma inversão em nosso enfoque: danem-se os direitos coletivos, as causas sociais, os valores e os ideais. O que importa é o chicote da mascarada, a privacidade da dançarina do tchan, a filha da rainha dos baixinhos, o féretro da princesa que enterra a nossa ilusão de que a vida, para nobres e ricos, é sempre bela e feliz.
Nas ruas, tropeçamos com mendigos e cruzamos com crianças abandonadas. São moscas na comida. Importam menos que uma dor de dente. Sorte nossa que ¨não somos como ele¨. Preferimos acreditar que a desigualdade social é como o inverno e o verão: para uns, as agruras do frio; para outros, o conforto do calor.
Conta a parabóla que certo monge retornava a seu mosteiro. Cruzou no caminho com uma criança maltrapilha, abatida pela fome e pelo frio. N igreja, vociferou contra Deus, que permitia sofrimentos tão injustos. ¨ Por que o Senhor nada faz por aquela criança?¨ De repente, um clarão. Deus mostrou a Sua face luminosa e disse a ele : ¨Eu já fiz:você!¨.

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